Perspectivas imunoterapêuticas para COVID-19 / Immunotherapeutic perspectives for COVID-19


Departamento de Microbiologia, Faculdade de Medicina de Itajubá, Itajubá, Minas Gerais, Brasil
Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

Abstract

With the appearance of COVID-19, constant research on SARS-CoV-2 infection and its therapeutic prospects have begun. With an evident contribution of immunological activity to the pathogenesis of COVID-19, we highlight the main immunotherapeutic perspectives under its development. The involvement of neutrophilia and the formation of NETs (Neutrophil Extracellular Traps) is still being investigated as the clinical situation is worsening. One way to mitigate disease’s severity is by controlling neutrophil activity and the formation of NETs. Another way is to administer convalescent plasma or intravenous immunoglobulin (IgG) that can neutralize the entry of the virus into cells and modulate the immune response. However, the treatments are not yet definitive and lack favorable results.

Keywords

SARS-CoV-2, Immunology, Immunotherapy, COVID-19

Resumo

Com o surgimento da COVID-19, iniciou-se uma constante pesquisa sobre a infecção pelo SARS- CoV-2 e suas perspectivas terapêuticas. Com evidente contribuição da atividade imunológica na patogênese da COVID-19, destacam-se as principais perspectivas imunoterapêuticas em desenvolvimento. Ainda, se investiga o envolvimento da neutrofilia e da formação de Neutrophil Extracellular Traps (NETs) no agravamento do quadro clínico. Portanto, acredita-se que controlar atividade de neutrófilos e a formação de NETs seja um dos caminhos para atenuar a gravidade da doença. Outra proposta é a administração de plasma convalescente ou imunoglobulina (IgG) intravenosa, que neutralizariam a entrada do vírus nas células e modularia a resposta imune. No entanto, os tratamentos ainda não são definitivos e carecem de resultados favoráveis.

Informações Gerais

Recebido em 18 de junho de 2020, aceito em 22 de setembro de 2020; publicado online em 26 de novembro de 2020

*Autor de correspondência:

Departamento de Microbiologia, Faculdade de Medicina de Itajubá.

Av. Rennó Junior, 368. Medicina. Itajubá, MG, Brasil | CEP: 37502-138 Fone: (35) 3629-8700

Este estudo foi realizado na Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt)

https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1002

Como citar este artigo: Cavalcanti LGH, Oliveira LX, Bustamante MP, Andrade MC. Perspectivas imunoterapêuticas para COVID-19. Rev Cienc Saude. 2020;10(4):6-9. https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1002

2236-3785/© 2020 Revista Ciências em Saúde. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob uma licença CC BY-NC-SA (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/deed.pt_BR)

INTRODUÇÃO

A COVID-19 (COronaVIrusDisease-19) é uma doença sistêmica causada pelo vírus denominado Coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2). Os primeiros relatos de casos dessa doença ocorreram em dezembro de 2019 na China e, desde então, já atingiu diversos países e infectou mais de cinco milhões de pessoas pelo mundo, sendo considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde março de 20201. Números de infectados aumentam acentuadamente e com muita rapidez, colocando uma pressão jamais vista nos sistemas de saúde mundiais e, também, nos centros de pesquisas. Assim, destacaremos perspectivas imunoterapêuticas que estão sendo pesquisadas/ desenvolvidas.

DESENVOLVIMENTO

Dentre outros fatores, a gravidade da COVID-19 relaciona-se à “tempestade de citocinas”, uma complexa rede de eventos moleculares, associada ao agravamento do quadro e a disseminação da resposta inflamatória. À luz da busca de conhecimento da fisiopatologia da doença, fica cada vez mais claro que a atividade imunológica está em desequilíbrio nos pacientes graves, e a patogênese tem envolvimento molecular e celular. Nesse sentido, estratégias terapêuticas de fundamentação imunológica podem ter um papel integrativo ou complementar importante no abrandamento da COVID-19, caso o paciente esteja em uma fase de evolução onde a imunopatogênese assume o protagonismo.

Uma opção terapêutica quando não existe vacina ou medicamentos específicos para tratamento de infecções emergentes é a imunoterapia passiva intravenosa (imunoglobulina intravenosa, IgIv), pela utilização de plasma convalescente. Consiste em transferir anticorpos neutralizantes IgG específicos para SARS-CoV-2 por meio do plasma transfundido, capazes de neutralizar o vírus e ativar o sistema complemento para eliminação viral2. Estudos utilizando essa terapia em pacientes graves com COVID-19 mostraram potencial benefício ao reduzir o tempo de internação e a carga viral, além de resolução radiológica do quadro e melhora da sobrevida3.

A terapia de imunoglobulina intravenosa desempenha um papel importante na prevenção de infecções em pacientes que apresentam algumas imunodeficiências. O uso desses anticorpos tem aplicações muito além da neutralização de microrganismos ou suas toxinas, mas também expansão de linfócitos T com funções reguladoras, modulação da resposta imune pelo bloqueio da produção de citocinas pró-inflamatórias, moléculas de adesão e leucócitos, além de supressão de linfócitos T inflamatórios. Essa imunoterapia pode ser combinada com drogas antivirais para fortalecer a resposta imune contra patógenos4, 5. Outra combinação sugerida seria usar a terapia IgIv com um anticoagulante, por exemplo, a heparina de baixo peso molecular, justificado por infecções serem uma causa comum de coagulação intravascular disseminada como observado em pacientes graves de COVID-196. No entanto, essa é uma hipótese terapêutica que ainda não possui respaldo científico suficiente para assegurar sua eficácia e, por isso, deve ser submetida a mais estudos. A interleucina-6 tem sido implicada como um biomarcador de gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2, uma vez que estudos mostram um aumento dos níveis séricos em pacientes com COVID-19 grave em comparação com aqueles que possuem a doença na forma não complicada7. Alguns medicamentos estão sendo testados para atuarem nessa vertente, como o tocilizumabe (anticorpo monoclonal humano anti- receptor de IL-6) e o siltuximabe (anticorpo anti-IL-6)8. Assim como a IL-6, altos níveis do fator de necrose tumoral (TNF, Tumor Necrosis Factor) correlacionam-se com quadros graves da COVID-19, sendo esta uma das principais citocinas pró-inflamatórias produzidas no fenômeno de “tempestade de citocinas”9. Portanto, terapias anti-TNF podem ter um papel importante no controle da evolução do quadro clínico, ou mesmo, associado a outras terapias, possibilitando um cenário resolutivo10, mas também atentando-se para os eventos indiretos ao organismo do bloqueio dessa importante molécula da resposta inflamatória contra patógenos.

Mais um potencial terapêutico relaciona-se à flagelina, uma proteína estrutural do flagelo de bactérias gram-positivas e gram-negativas móveis. Acredita-se que a flagelina possa ser usada para ativar uma resposta inflamatória da imunidade inata, que teria uma eficácia contra o SARS-CoV-2. Essa proteína parece ser capaz de induzir a produção de IFN-β, um tipo de interferon exclusivamente antiviral, e sua utilização se torna uma potencial forma de restaurar as defesas imunológicas antivirais que são prejudicadas durante infecções por Coronavírus4. A flagelina se liga ao receptor Toll-like 5 (TLR5) em células do sistema imune inato, como as células dendríticas, e induz a produção de IL-22, uma importante interleucina de respostas inflamatórias. Experimentalmente essa estratégia foi capaz de eliminar uma infecção por rotavírus em camundongos   imunossuprimidos e imunocomprometidos4.

A neutrofilia observada em muitos pacientes graves com COVID-19 e o infiltrado de neutrófilos no pulmão aponta para a participação dessas células na imunopatogênese e no agravamento do quadro inflamatório11. Além dos mecanismos anti-infecciosos clássicos de neutrófilos, no caso da infecção pelo SARS- CoV-2, a morte dessas células também fornece atividade contra patógenos, através das armadilhas extracelulares de neutrófilos – NETs (Neutrophil Extracellular Traps). São estruturas semelhantes a teias, compostas por DNA e proteínas, que envolvem os patógenos inativando-os ou pelo menos impedindo a sua propagação local nos tecidos do hospedeiro11. Entretanto, os produtos moleculares e proteicos de neutrófilos em processo de morte também desencadeiam ativações inflamatórias, e o desequilíbrio desse mecanismo está associado a doenças autoimunes, trombose, desconforto respiratório e obstrução de pequenas vias aéreas, causando inflamação12. Dessa forma, pesquisadores acreditam que controlar a formação de NETs seja um dos caminhos para inibir a “tempestade de citocinas” e, consequentemente, diminuir a gravidade da COVID-19. Em uma perspectiva terapêutica complementar, caso essa atividade seja confirmada, a desoxirribonuclease I (DNAse I) é sugerida como tratamento para degradar o material genético extracelular fornecido no processo de NETs4. Além disso, como prevenção, existe a perspectiva de desenvolvimento medicamentos direcionados para a inibição das moléculas formadoras do processo intracelular de desorganização do material genético e eventos moleculares associados12.

Sendo a imunopatogênese protagonista nos quadros graves da COVID-19, alguns estudos sugerem o uso do hormônio melatonina, fundamentado em sua gama de propriedades biológicas. Sabe-se que essa molécula bioativa possui atividade anti-inflamatória por reduzir a produção de citocinas pró-inflamatórias, o que poderia contribuir para atenuar a “tempestade de citocinas”, tão marcante na patogênese da doença. Acredita-se que a infecção pelo SARS-CoV-2, assim como outras infecções virais, gere uma grande quantidade de produtos oxidados, e a atividade antioxidante da melotonina justificaria seu uso nessa infecção. Outros benefícios gerais seria sua atuação na regulação imune, promovendo maturação das células NK (Natural Killers), linfócitos T e B, granulócitos e monócitos13. Ademais, a melatonina também melhora o estado geral do paciente e previne possíveis complicações neurológicas, renais, cardiovascular e hepática, diminui edema, diapedese e melhora choque séptico. Esses efeitos adjuvantes justificam seu uso não somente para atenuação da síndrome respiratória. Não é notória a evidência direta do uso da melatonina na COVID-19, mas modelos experimentais em animais e humanos mostraram validade, segurança e benefício13.

CONCLUSÃO

Assim, mesmo com todas essas alternativas, ainda há carência de informações sistematizadas concretas sobre como vencer a batalha contra a COVID-19. A ciência trabalha a todo vapor para descobrir algo sólido, mas ainda carece de estudos e, principalmente, resultados consistentes e com evidências suficientes para aplicação em escala clínica. Todos os profissionais da saúde, juntamente com as autoridades governamentais, lutam, com as armas que possuem, para impedirem o aumento dos números de infecção e de mortes. O futuro é incerto e as consequências de tudo isso não são claras. O “normal” já não será mais o mesmo e, por isso, nos resta torcer para que ele seja, no mínimo, melhor.

Informações adicionais

Conflitos de interesse: Os autores informam não haver conflitos de interesse relacionados a este artigo.

Contribuição individual dos autores:

Concepção e desenho do estudo: MCA

Análise e interpretação dos dados: Não se aplica

Coleta de dados: LGHC, LXO, MPB

Redação do manuscrito: LGHC, LXO, MPB

Revisão crítica do texto: MCA

Aprovação final do manuscrito*: MCA, LGHC, LXO, MPB

Análise estatística: Não se aplica Responsabilidade geral pelo estudo: MCA

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito submetido para publicação da Rev Cienc Saude.

Informações sobre financiamento : não se aplica.