Análise de prevalência e mortalidade associada ao melanoma cutâneo em pacientes atendidos em centro de referência no Oeste do estado de Santa Catarina, Brasil, de 2002 a 2016 / Analysis of prevalence and mortality associated with cutaneous melanoma in patients treated at a referral center in the west of the state of Santa Catarina, Brazil, from 2002 to 2016


Abstract

Objetivo: determinar a epidemiologia e as características clínicas do melanoma cutâneo (MC) na região Oeste do estado de Santa Catarina, Brasil. Métodos: este estudo transversal e descritivo avaliou o comportamento clínico e o perfil epidemiológico do MC em pacientes de 78 municípios do Oeste do estado de Santa Catarina, Brasil, no período de 2002 a 2016, tratados no Sistema Único de Saúde. Para a análise dos dados foi utilizado o teste do Qui-quadrado. Para elaborar as curvas de sobrevida, foi considerado um período de 10 anos (teste Log Rank). Resultados: dados de 1.146 pacientes foram avaliados, e houve uma média de 20 casos/100.000 habitantes/ano. Encontravam-se nos estágios I e II 63,5% dos pacientes. A sobrevida global em 10 anos de acompanhamento foi de 89% (IC95% 87,7% - 91,5%). Pacientes do sexo feminino apresentaram maior sobrevida (94,5%; IC95% 92,7% - 96,4% vs. 82,6%; IC95% 78,9% - 86,3%; p < 0,001) e variáveis de melhor prognóstico. Conclusões: o Oeste do estado de Santa Catarina apresentou uma alta prevalência de MC. As características clínicas e epidemiológicas encontradas concordam com as descritas nas populações que residem em regiões geográficas equivalentes; mas diferem de outras regiões do Brasil. Essas diferenças, associadas à organização do sistema público de saúde de referência e contra- referência, podem explicar aos resultados de sobrevida encontrados.

Objective: To determine the epidemiology and clinical characteristics of cutaneous melanoma (CM) in the western region of the state of Santa Catarina, Brazil. Methods: This cross-sectional and descriptive study evaluated the clinical behavior and epidemiological profile of CM in patients from 78 municipalities in the west of the state of Santa Catarina, Brazil, from 2002 to 2016, treated in the Unified Health System. The chi-square test was used for group analysis. For survival curve analysis, a period of 10 years was considered (Log Rank test). Results: Data from 1,146 patients were evaluated, and there was an average of 20 cases/100,000 inhabitants/year. Most patients (63.5%) were in stages I and II. The overall survival at 10 years of follow-up was 89% (95%CI 87.7% - 91.5%). Female patients had higher survival rates (94.5%; 95%CI 92.7% - 96.4% vs. 82.6%; 95%CI 78.9% - 86.3%; p < 0.001) and variables with a better prognosis. Conclusions: the west of the state of Santa Catarina had a high prevalence of CM. The clinical and epidemiological characteristics agree with those described in populations residing in equivalent geographical regions, but they differ from other Brazil regions. These differences, associated with the reference and counter-reference organization of the public health system, may explain the survival results.

Keywords

Brazil, epidemiology, melanoma, mortality, prevalence, Unified Health System

Informações gerais

Submetido em 9 de julho de 2020, aceito em 17 de outubro de 2020, publicado em 15 de dezembro de 2020

*Autor de correspondência: Universidade Federal da Fronteira Sul. Sala 210 | Bloco dos Professores. Rodovia SC 484, Km 02, Fronteira Sul. Chapecó, SC, Brasil |   CEP: 89815-899 Tel: (49) 9 99870042 E-mail: marcelo.moreno@uffs.edu.br (Moreno M)

Este estudo foi realizado na Universidade Comunitária da Região de Chapecó

https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1018

Como citar este artigo: Moreno M, Schmidt JC, Grosbelli L, Dassi M, Mierzwa RV. Análise de prevalência e mortalidade associada ao melanoma cutâneo em pacientes atendidos em centro de referência no Oeste do estado de Santa Catarina, Brasil, de 2002 a 2016. Rev Cienc Saude. 2020;10(4):109-116. https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1018

INTRODUÇÃO

Entre as neoplasias de pele, o melanoma cutâneo (MC) é a menos comum, representando em torno de 5% dos casos. Entretanto, é responsável pela maior mortalidade, devido a capacidade de metastatização1. Apesar disso, quando detectado nos estágios iniciais, apresenta uma taxa alta de cura2, 3.

O MC ocorre predominantemente em caucasianos e sua incidência é particularmente alta na Oceania, norte da Europa, América do Norte, e baixa entre as populações naturais da África, Ásia, América Latina e Sul da Europa3, 4. Na Austrália, uma análise global demonstrou uma incidência de MC variando entre 40 a 62 casos/100.000 habitantes. Particularmente, a região de Queensland é considerada a detentora da maior taxa de incidência de MC no mundo, com 71 casos por 100.000 habitantes5. Na Nova Zelândia, são descritas incidências próximas a 40 casos por 100.000 habitantes, sendo reconhecida também como uma das maiores do mundo6. Uma explicação seria que o MC é fortemente relacionado com a latitude da região, sendo mais incidente em áreas do globo com maior exposição à radiação solar (radiação ultravioleta, RUV) durante o período do verão4, 5, 6 .

Estudos relacionados com a incidência de MC no Brasil ainda são escassos, pois a notificação compulsória de casos de câncer não é uma realidade nacional, ocorrendo em apenas 30% do país, o que resulta na maior frequência de estudos de prevalência7, 8, 9. Segundo as estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), a taxa estimada de incidência anual de MC no Brasil para 2020 é de 4.200 casos novos em homens e 4.250 casos novos em mulheres. As maiores taxas estimadas são para a região Sul, sendo que o estado de Santa Catarina apresentaria o maior número de casos: 14,8 casos novos/100.000 habitantes no sexo feminino e 12,2 casos novos/100.000 habitantes para o sexo masculino8.

O presente estudo, portanto, objetivou analisar dados epidemiológicos, de prevalência e sobrevida, e características clínicas de pacientes com MC diagnosticados e tratados na região Oeste de Santa Catarina.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional, descritivo e com delineamento transversal dos dados de pacientes com diagnóstico de MC atendidos na unidade de assistência de alta complexidade em oncologia do Hospital Regional de Chapecó, Santa Catarina. Essa unidade de atendimento terciário faz parte do sistema de referência e contra-referência do Sistema Único de Saúde (SUS) e recebe para tratamento os pacientes com diagnóstico de neoplasias malignas residentes em 78 municípios catarinenses que compõem a Região Oeste deste estado. Foram incluídos os pacientes atendidos durante o período de janeiro de 2002 até dezembro de 2016, sendo coletados dados clínico-epidemiológicos e informações específicas sobre as lesões. Os dados referentes aos anos de 2002 a 2009, publicados em estudo prévio9 foram atualizados e somados às informações dos pacientes atendidos no período de 2010 a 2016. Informações incompletas foram revisadas e acessadas através de contato telefônico ou visita domiciliar de pacientes, familiares ou médicos assistentes. Foi considerado, para cada variável estudada, o número de pacientes em que a informação estava presente nos registros do prontuário. Foram excluídos da pesquisa pacientes diagnosticados com melanoma ocular, melanoma de mucosa e melanoma visceral. Para o cálculo da prevalência da doença em cada município foi utilizada a população documentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2009 (ano médio entre 2002 e 2016).

A análise estatística foi realizada utilizando o programa SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 21.0. Armonk, NY: IBM Corp.). Os dados foram apresentados como média e desvio-padrão (dp) ou frequências absoluta e relativa. Para a análise dos dados foi utilizado o teste Qui-quadrado e para comparar as curvas de sobrevida (Kaplan-Meier), foi utilizado o teste Log Rank (Mantel-Cox), considerando um período de seguimento clínico de 10 anos. A análise dos dados foi realizada levando-se em conta um intervalo de confiança de 95% e significância estatística se p < 0,05.

O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unochapecó, sob o parecer 3.590.094.

RESULTADOS

Foram incluídos 1.146 pacientes com diagnóstico de MC, atendidos durante o período proposto. O número de casos novos de MC por ano na região Oeste de Santa Catarina variou de 50 em 2002 a 104 em 2013, resultando em uma prevalência de 7,4 e 14,0 por 100.000 habitantes, respectivamente. Todos os pacientes eram naturais das cidades da região Oeste do estado. A maioria era procedente de Chapecó (34,1%) seguida por São Miguel do Oeste (4,4%). A cidade com a maior prevalência de MC durante esse período foi São João do Oeste, com uma média anual de 27,7 casos por 100.000 habitantes/ano, seguido de Cunha Porã com 21,0 casos por 100.000 habitantes/ano. O município que apresentou maior média de casos/ano foi Chapecó (Table 1). A quase totalidade dos pacientes era da cor branca (98%), predominando os fototipos I e II. A idade dos pacientes variou de 14 a 95 anos, sendo que a média foi de 52 anos para ambos os sexos (dp = 14,6 anos no sexo masculino e dp = 15,2 anos no sexo feminino). Maior prevalência de MC foi encontrada entre indivíduos com idade igual ou inferior a 65 anos (78,4%), sendo que a maioria dos casos ocorreu na faixa etária entre 20 e 29 anos (24,3%). Não houve diferenças entre as características clínicas de ambos sexos, exceto as variáveis: “história pessoal de outras neoplasias malignas em sítio diferente da pele”, e “história familiar de câncer de pele não melanoma”; onde pacientes do sexo feminino apresentaram maior prevalência. As características clínicas analisadas encontram-se sumarizadas na Table 2.

Table 1: – Cidades com a maior prevalência de melanoma cutâneo por 100.000 habitantes da região Oeste de Santa Catarina - 2002 a 2016.

Cidade

N o de habitantes #

Casos de melanoma (n)

Média (casos/ano)

Média anual casos/100.000 hab.)

São João do Oeste

6.268

26

1,7

27,7

Cunha Porã

11.078

35

2,3

21

Chapecó*

220.367

349

23,2

20,3

Iporã do Oeste

8.404

24

1,6

19

Nova Itaberaba

4.219

12

0,8

19

Mondaí

9.516

29

1,9

13,4

Foi observada uma taxa global de sobrevida em 10 anos de 89% (IC95% 87,7% - 91,5%) (Figure 1). Quando realizada a comparação entre os sexos dos pacientes, as mulheres tiveram sobrevida maior que os homens (94,5%; IC95% 92,7% - 96,4% vs. 82,6%; IC95% 78,9% - 86,3%, respectivamente; p < 0,001) (Figure 2).

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Figure 1: Curva de sobrevida (Kaplan-Meier) de pacientes com melanoma cutâneo diagnosticados e tratados na região Oeste de Santa Catarina (2002 a 2012).
https://typeset-prod-media-server.s3.amazonaws.com/article_uploads/9dd0b4a8-c1ee-4c9a-82f8-d5663af098e5/image/b9164589-0ea0-4f0e-8dc0-858a604c99ef-ucaptura-de-tela-2020-12-24-xe0s-00-u21-u16.png
Figure 2: Curva de sobrevida (Kaplan-Meier) comparando pacientes do sexo feminino e masculino com diagnóstico de melanoma cutâneo na região Oeste de Santa Catarina (2002 a 2012).

Das lesões cutâneas, em que as informações sobre as características histológicas estavam disponíveis (n = 1.100), 15,5% eram MC in situ, 78,5% MC invasivos e 3% melanomas metastáticos para pele. Das lesões invasivas, houve um predomínio daquelas com menos de 1 mm de profundidade de invasão (espessura). Comparando as variáveis que caracterizam a lesão primária do MC com o sexo dos pacientes, foi possível verificar que as relacionadas com melhor prognóstico foram mais frequentes no sexo feminino: localização da lesão primária em membros, melanoma tipo extensivo superficial, menor espessura da lesão primária (índice de Breslow e nível de Clark), ausência de ulceração e ausência de figuras de mitose na lesão primária, fase de crescimento radial, ausência de metástases no linfonodo sentinela e estágios precoces da doença no momento do diagnóstico (p < 0,01). Outras características como presença de regressão e invasão vascular apresentaram frequência semelhante entre homens e mulheres (Table 3).

Table 2: – Características clínicas dos pacientes com melanoma cutâneo atendidos na região Oeste de Santa Catarina - 2002 a 2016.

Características clínicas (n)*

Sexo masculino n (% válido)

Sexo feminino n (% válido)

p-valor**

Sexo (1.146)

472 (41,2)

674 (58,8)

-

Idade (n = 1.146)

< 65 anos

374 (32,6)

524 (45,7)

0,546

> 65 anos

98 (8,6)

150 (13,1)

Fototipo (1.010)

I/II

369 (36,5)

552 (54,7)

0,395

> III

30 (3)

41 (4,1)

S/I

10 (1)

8 (0,8)

Cor dos olhos (1.008)

azul/verde

227 (22,5)

343 (34)

0,298

castanho/preto

155 (15,4)

234 (23,2)

S/I

25 (2,5)

24 (2,4)

Cor dos cabelos (1.008)

loiro/ruivo

194 (19,2)

321 (31,8)

0,101

castanho/preto

188 (18,7)

256 (25,4)

S/I

25 (2,5)

24 (2,4)

Presença de efélides da infância (1.005)

Sim

113 (11,2)

206 (31,7)

0,055

Não

266 (26,6)

345 (35,2)

S/I

28 (2,8)

38 (3,8)

Síndrome do nevo atípico (1.005)

Sim

48 (4,8)

80 (8)

Não

332 (33)

489 (48,7)

0,524

S/I

26 (2,6)

30 (3)

História de exposição solar crônica† (1.002)

Sim

304 (30,3)

417 (41,6)

0,045

Não

101 (10)

180 (17,9)

S/I

4 (0,4)

1 (0,1)

História pessoal de MC (1.019)

Sim

26 (2,6)

52 (5,1)

0,054

Não

364 (35,7)

534 (52,4)

S/I

24 (2,4)

19 (1,9)

História pessoal de câncer de pele não melanoma (982)

Sim

36 (3,7)

44 (4,5)

0,216

Não

354 (35,1)

512 (52,1)

S/I

24 (2,4)

21 (2,1)

História pessoal de outra neoplasia maligna (973)

Sim

11 (1,1)

30 (3,1)

0,034

Não

363 (37,3)

523 (53,8)

S/I

25 (2,6)

21 (2,2)

História familiar de MC (1.008)

Sim

56 (5,6)

91 (9)

0,135

Não

328 (32,5)

489 (48,5)

S/I

24 (2,4)

20 (2)

História familiar de câncer de pele não melanoma (970)

Sim

43 (4,4)

99 (14,5)

<0,0001

Não

329 (33,9)

453 (46,7)

S/I

25 (2,6)

21 (2,2)

Table 3: Características clínicas e anatomopatológicas dos melanomas cutâneos dos pacientes atendidos na região Oeste de Santa Catarina - 2002 a 2016.

Características clínicas (n)*

Sexo masculino n (%)

Sexo feminino n (%)

p-valor**

Local da lesão primária (1.146)

Cabeça/pescoço

85 (7,4)

119 (10,4)

Tronco

245 (21,4)

230 (20,1)

< 0,001

Membros

110 (9,6)

296 (25,8)

S/I

32 (2,8)

29 (2,5)

Tipo histológico (1.137)

MES

276 (24,3)

480 (42,2)

MN

101 (8,9)

86 (7,6)

MLM

17 (1,5)

14 (1,2)

< 0,001

MLA

19 (1,7)

37 (3,3)

outros

55 (4,8)

52 (4,6)

Espessura da lesão primária (mm) (1.066)

in situ

57 (5,3)

109 (10,2)

< 1 mm

162 (15,2)

329 (30,9)

1,01 - 2 mm

111 (10,4)

131 (12,3)

< 0,300

2,01 - 4 mm

64 (6,0)

45 (4,2)

> 4 mm

33 (3,1)

25 (2,3)

Nível de Clark (1.028)

I

57 (5,5)

102 (9,9)

II

44 (4,3)

102 (9,9)

III

114 (11,1)

198 (19,3)

< 0,001

IV

162 (15,8)

198 (19,3)

V

33 (3,2)

18 (1,8)

Presença de ulceração (1.025)

Sim

159 (15,5)

159 (15,5)

< 0,001

Não

246 (24)

461 (45)

Presença de regressão da lesão melanocítica (362)

Sim

33 (9,1)

38 (10,5)

0,664

Não

127 (35,1)

164 (45,3)

Índice mitótico (mm2) (1.002)

sem mitoses

104 (10,4)

224 (22,4)

1 mit/mm2

90 (9)

143 (14,3)

< 0,001

> 1mit/mm2

200 (20)

241 (24,1)

Fase de crescimento (1.046)

Radial

339 (32,4)

468 (44,7)

0,006

Vertical

77 (7,4)

162 (15,5)

Invasão vascular (1.003)

Sim

38 (3,8)

43 (4,3)

0,176

Não

361 (36)

561 (55,9)

Anatomopatológico do LNS (498)

Negativo

163 (32,7)

242 (48,6)

0,010

Positivo

51 (10,2)

42 (8,4)

Estágio da doença (1.107)

0

58 (5,2)

102 (9,2)

I

161 (14,5)

329 (29,7)

II

96 (8,7)

117 (10,6)

< 0,0001

III

82 (7,4)

62 (5,6)

IV

54 (4,9)

46 (4,2)

DISCUSSÃO

O presente estudo realizou uma análise de dados de prevalência e sobrevida global, além das principais características clínicas de pacientes com MC diagnosticados e tratados na região Oeste do estado de Santa Catarina. A cidade de Chapecó possui um serviço público de referência para tratamento de pacientes com câncer na região Oeste de Santa Catarina (unidade de assistência de alta complexidade em oncologia), que faz parte do fluxo de referência e contra-referência do SUS. Com isso, praticamente todos pacientes da região com diagnóstico de MC são referidos para esse serviço que compõe o nível terciário do SUS. Apesar dos dados coletados serem provenientes de um serviço público de saúde, e não de um registro populacional, permitiu fornecer informações importantes que auxiliam na caracterização do MC nessa região do país. Em um estudo preliminar com dados de 2002 a 2009, a média de casos foi de 9/100.000 habitantes a cada ano9. Já no período subsequente (2010 a 2016), a média foi de 20/100.000 habitantes por ano; sendo a maior prevalência encontrada no município de São João do Oeste (27/100.000 habitantes). Essas taxas superam as estimadas pelo INCA8 e seguem a tendência de aumento anual observada em estimativas de outros países 1, 5, 6, 10, 11. Apesar de serem bem estabelecidos os fatores de risco para o desenvolvimento do MC, não há uma definição do motivo pelo qual os casos vêm aumentando nos últimos anos, o que não ocorre com os outros tipos de neoplasias malignas, que, pelo contrário, apresentam declínio no número de casos novos3, 12, 13. Nas regiões com aumento anual dos casos de MC, observa-se um predomínio de pessoas com fototipos baixos (I e II) e que residem em baixas latitudes. Esta associação da localização geográfica com o tipo de pele e o desenvolvimento de MC já é relatada desde da década de 50, e poderia explicar os altos índices de MC na Oceania e em alguns locais do continente Europeu14, 15, 16. O estado de Santa Catarina se encontra geograficamente na mesma faixa de latitude que regiões da Oceania (Queensland – 26º a 29º S), possuindo assim, exposição à RUV semelhante à Austrália e Nova Zelândia 17 . Esse fator, associado a uma população com descendência de imigrantes europeus18, poderiam explicar as taxas de prevalência maiores que a média nacional em localidades do estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul9, 19, 20.

A caracterização fenotípica para as variáveis fototipo cutâneo, cor dos olhos, dos cabelos e a presença de efélides na infância, apresentou frequência semelhante em ambos os sexos. O predomínio do MC quanto ao sexo não é concorde na literatura. Maior prevalência do MC em pacientes do sexo feminino ocorre em países como a Alemanha e Itália8, 21, 22, mas difere dos Estados Unidos10 e países da Oceania5, 6 onde há o predomínio em pacientes do sexo masculino. Esses, por sua vez, seguem o mesmo padrão da Inglaterra23, país que originalmente contribuiu com a imigração dessas localidades. Também, considerando todo o território brasileiro, é observada maior frequência da doença em pacientes do sexo masculino24. Essa particularidade, de existir mais casos de MC em mulheres na região Oeste de Santa Catarina, pode ter relação com a colonização populacional que ocorreu principalmente por imigrantes da região da serra gaúcha, na grande maioria composta por descendentes de imigrantes alemães e italianos18.

Os fatores de risco para desenvolvimento de MC na região Oeste de Santa Catarina já foram previamente reportados e concordam com a literatura25. Os demais fatores de risco (idade maior que 65 anos, fototipo cutâneo, síndrome do nevo displásico, exposição crônica a luz solar, história de queimadura da pele pela luz do sol na infância e adolescência, entre outros, tiveram distribuição semelhante entre os sexos. Considerando a idade, tanto em homens quanto em mulheres a doença foi mais frequente em pacientes com menos de 65 anos, sendo que foi mais diagnosticada na faixa etária entre 20 e 29 anos, o que contrapõe a maioria dos trabalhos, onde o MC é mais frequente em pacientes idosos1, 2, 10, 13, 21.

Recentemente foi descrita a correlação entre o sexo e a idade do paciente com a taxa de exposição à luz ultravioleta. Mulheres mais jovens teriam risco maior independente para desenvolver a doença, enquanto mulheres idosas teriam menos MC por se protegerem mais da exposição solar do que os homens16. Uma variável frequentemente correlacionada com o sexo do paciente é o local da lesão primária. Os homens desenvolvem MC mais frequentemente em tronco, enquanto as mulheres apresentam lesões predominantemente em membros20, 21, 24. Essa característica clínica pode contribuir para o fato de pacientes do sexo feminino possuírem melhor sobrevida, uma vez que os MC localizados em membros evoluem com menos mortes do que em outros sítios anatômicos14, 26. Os achados do presente estudo concordam com essa afirmação.

Apesar do aumento da incidência de MC nos últimos anos, é observado uma melhora nos índices de sobrevida. A maioria dos trabalhos reportam maior frequência de lesões primárias em estágios iniciais, e com isso, taxas de sobrevida global em torno de 90% (em períodos de seguimento de 5 e 10 anos)5, 6, 11, 21, o que foi observado no presente estudo. Lesões com espessura menor que 1 mm aumentaram a cada ano, resultando em um maior número de casos em estágios I e II. No entanto, em outras regiões do Brasil ainda há o predomínio de diagnósticos de MC com estágios mais avançados24, 26.

Assim como em outros trabalhos, que correlacionaram MC tipo extensivo superficial com populações de fototipos baixos2, 4, 11, 12, 24, no Oeste de Santa Catarina os MC classificados como extensivos superficiais foram os mais frequentes em ambos os sexos, seguidos pelo melanoma nodular, melanoma tipo lentigo maligno e melanoma acral. Essa distribuição não é a mesma em outras regiões do Brasil, onde há predomínio dos MC nodular e acral24, 27.

A presença de ulceração na lesão primária de MC, bem como presença de figuras de mitose, fase de crescimento vertical e metástase em linfonodo sentinela constituem fatores clínicos e histológicos associados à pior sobrevida24, 26. Comparando a população feminina e masculina deste estudo foi possível observar que as mulheres apresentaram menos fatores de pior prognóstico para o MC em relação aos homens, o que pode ter contribuído para a maior taxa de sobrevida neste sexo. A ocorrência de fatores prognósticos associados a uma melhor sobrevida com o sexo feminino é encontrada em outras áreas geográficas do Sul do Brasil, mas difere das demais regiões brasileiras24, 26, 27. Além disso, o fato de as mulheres apresentarem a doença em estágios mais precoces do que os homens pode ser relacionado ao fato de que, culturalmente, pacientes do sexo feminino buscam auxílio médico mais frequentemente, o que pode facilitar a identificação de lesões cutâneas inicias, mesmo que o motivo da consulta não seja dermatológico27. Todas essas considerações possivelmente justificam as diferenças de sobrevida encontradas entre os pacientes femininos e masculinos deste estudo.

Além do que foi exposto, cabe ressaltar que o estado de Santa Catarina possui uma iniciativa que pode contribuir para a maior frequência de diagnósticos precoces de MC. No ano de 2005, a Secretaria Estadual de Saúde implantou o programa de Telemedicina para auxiliar no diagnóstico e conduta de doenças em paciente atendidos nas diversas cidades que compõem o interior do estado28. Esse sistema, inserido dentro da dinâmica de referência e contra-referência do SUS, utiliza Telemedicina para a realização de exame dermatoscópico em pacientes de todas as regiões. Com isso, a lesão cutânea suspeita é examinada por médicos de família ou por enfermeiros, sendo realizada a captura fotográfica da lesão de forma macro e dermatoscópica. Após, os arquivos são enviados a dermatologistas que trabalham no serviço de referência por Telemedicina na capital do estado e, então, um diagnóstico descritivo é emitido sugerindo a realização ou não de biópsia. Desde que esse sistema foi implantado, houve um aumento considerável do número de diagnósticos precoces de neoplasias cutâneas28.

Estudos epidemiológicos que analisam banco de dados de serviços médicos possuem a limitação de não representar a totalidade da população de uma determinada área geográfica. No Brasil, não há obrigatoriedade de notificação de neoplasias malignas diagnosticadas em pacientes tratados nos serviços de saúde, sejam públicos ou privados. Com isso, é inviabilizada a realização de estudos epidemiológicos populacionais. Além disso, outra limitação do presente estudo foi a falta de dados completos na maioria das variáveis analisadas, o que pode ter influenciado em alguns resultados, principalmente quando o valor de p obtido foi próximo ao limite da significância estatística definida.

CONCLUSÃO

O Oeste do estado de Santa Catarina apresenta alta prevalência de MC, o mesmo ocorrendo com outras regiões do Sul do país, mas diferindo do restante do Brasil. Essa realidade mostrou-se relacionada com a associação da localização geográfica e as características fenotípicas da população. Além disso, as características dos MC diagnosticados, relacionadas a um melhor prognóstico da doença, são semelhantes às encontradas nos locais de onde se originaram as populações que colonizaram essa região. Somando-se a isso, a organização dos serviços de saúde do estado de Santa Catarina também pode justificar os diagnósticos precoces e, consequentemente, a melhor taxa de sobrevida encontrada neste estudo.

Informações adicionais

Conflitos de interesse: Os autores informam não haver conflitos de interesse relacionados a este artigo.

Contribuição individual dos autores :

Concepção e desenho do estudo: MM, JCS

Análise e interpretação dos dados: MM, JCS, RVM

Coleta de dados: MM, JCS, LG, MD, RVM

Redação do manuscrito: MM, JCS, LG, MD, RVM

Revisão crítica do texto: MM, JCS

Aprovação final do manuscrito*: MM, JCS, LG, MD, RVM

Análise estatística: MM, EVM

Responsabilidade geral pelo estudo: MM, JCS

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito submetido para publicação da Rev Cienc Saude.

Informações sobre financiamento : não se aplica.