Prevalência de anticorpos IgM e IgG anti-Toxoplasma gondii em universitários do Curso de Ciências Biológicas, Pontal do Triângulo Mineiro / Prevalence of IgM and IgG anti-Toxoplasma gondii antibodies in university students from the Biological Sciences Course, Pontal do Triângulo Mineiro
Abstract
Objective: To investigate the presence of anti-Toxoplasma gondii IgM and IgG in the serum of Biological Sciences students at the Federal University of Uberlândia, Pontal campus. Methods: Cross-sectional prevalence study with data collection was conducted between June 2017 and February 2018. Indirect immunofluorescence and enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) techniques were used, and semi-structured questionnaires were used to assess previous knowledge about toxoplasmosis. Results: 128 students aged 18 to 41 years participated in the study, 83 (64.4%) female and 45 (35.6%) male. Blood samples were collected from 106 participants, and 13 (12.3%) had anti-T. gondii antibodies. Of these, 3 (2.8%) claimed to consume unpasteurized bovine milk, 3 (2.8%) raw or undercooked meat, and 1 (0.94%) raw or unhygienic vegetables. There was no statistically significant association between positivity (IgM anti-T. gondii or IgG anti-T. gondii) and the variables analyzed in the questionnaire. Conclusion: In this work, it was possible to verify the presence of IgM and IgG anti-T gondii antibodies in university students. There was no association between seropositivity and eating habits. However, the questionnaire response analysis showed risky behavior on these individuals, especially concerning frequent contact with dogs and cats, often collected on the street.
Objetivo: Investigar a presença de IgG e IgM anti-Toxoplasma gondii no soro de estudantes de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Uberlândia, campus Pontal. Métodos: Estudo transversal de prevalência, com coleta de dados realizada entre junho de 2017 e fevereiro de 2018. Foram utilizadas as técnicas de Imunofluorescência Indireta e Ensaio Imunoenzimático (ELISA) e aplicado questionário semiestruturado para avaliação dos conhecimentos prévios sobre a toxoplasmose. Resultados: Participaram do estudo 128 alunos com faixa etária de 18 a 41 anos, sendo 83 (64,4%) do sexo feminino e 45 (35,6%) do sexo masculino. Foram colhidas amostras de sangue de 106 participantes e 13 (12,3%) apresentaram anticorpos anti-T. gondii. Destes, 3 (2,8%) afirmaram consumir leite bovino não pasteurizado, 3 (2,8%) carne crua ou mal passada e 1 (0,94%) vegetais crus ou não higienizados. Não foi observada associação estatisticamente significativa entre positividade (IgM anti-T. gondii e/ou IgG anti-T. gondii) e as variáveis analisadas no questionário. Conclusão: Neste trabalho foi possível verificar a presença de anticorpos IgM e IgG anti-T. gondii em universitários. Não se observou uma associação entre soropositividade e o hábito alimentar. Entretanto, a análise das respostas obtidas no questionário mostrou comportamento de risco por parte destes indivíduos, principalmente ao que se refere ao contato frequente com cães e gatos, muitas vezes recolhidos na rua.
Keywords
Estudantes, Infecção por Toxoplasma gondii, Anticorpos
Informações Gerais
*Autor de correspondência:
Laboratório de Imunologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Av. Getúlio Guaritá, s/n. Abadia. Uberaba, MG, Brasil | CEP: 38.025-180 Fone: (34) 3318-5299. E-mail: cesar_cgh@hotmail.com (Gómez-Hernández C)
Este estudo foi realizado no Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal, Universidade Federal de Uberlândia. https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1038
Como citar este artigo: Franco dos Santos IP, Marinho AFS, Gómez-Hernández C, Andrade CMR, Rodrigues V, Rezende-Oliveira K. Prevalência de anticorpos IgM e IgG anti-Toxoplasma gondii em universitários do Curso de Ciências Biológicas, Pontal do Triângulo Mineiro. Rev Cienc Saude. 2020;10(4):151-159. https://doi.org/10.21876/rcshci.v10i4.1038ABSTRACT
Conflitos de interesse: Os autores informam não haver conflitos de interesse relacionados a este artigo.
Contribuição individual dos autores:
Concepção e desenho do estudo: KRO, CGH, IPFS, AFSSM
Análise de interpretação dos dados: KRO, CGH, IPFS, AFSSM, CMRA
Coleta de dados: KRO, CGH, IPFS, AFSSM, CMRA
Redação do manuscrito: KRO, CGH, IPFS, AFSSM, CMRA, VRJ
Revisão crítica do texto: KRO, CGH, IPFS, AFSSM, CMRA, VRJ
Aprovação final do manuscrito*: KRO, CGH, CMRA
Análise estatística: CGH, KRO Responsabilidade geral pelo estudo: KRO
*Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito submetido para publicação da Rev Cienc Saude.
Informações sobre financiamento: Bolsa Iniciação de Científica, CNPq.
INTRODUÇÃO
A toxoplasmose é uma zoonose causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. A infecção é comum em mamíferos e aves; entretanto, o felídeo é o hospedeiro definitivo e o ser humano e outros mamíferos são hospedeiros intermediários. O parasito apresenta três formas infectantes: taquizoítas, que são as formas circulantes (fase aguda); bradizoítas, encontradas em cistos nos tecidos (fase crônica); e esporozoítas, presentes no intestino de gatos, contidos em um oocisto que se torna infectante após a esporulação no ambiente1. A toxoplasmose pode ser uma doença agressiva e frequentemente fulminante em indivíduos imunossuprimidos, acometendo o sistema nervoso central, vísceras, nódulos linfáticos e retina2, 3.
Fatores como o clima, consumo de carne malcozida, ingestão de alimentos contaminados com oocistos, contato com fezes de felídeos com oocistos, influenciam diretamente na prevalência da toxoplasmose em humanos além da virulência da cepa. As prevalências mais elevadas são reportadas em países tropicais de clima úmido e quente, incluindo o Brasil4
A toxoplasmose em pacientes imunocompetentes possui pouco significado clínico pois geralmente é assintomática, sendo o diagnóstico tardio, já na fase crônica, mediante métodos laboratoriais. Pela deficiência de informações sobre a doença muitas mulheres não sabem como evitar a infecção, principalmente durante a gestação, e quais as principais consequências para o feto. Na forma adquirida da toxoplasmose a virulência da cepa e a condição imunológica do indivíduo são fatores importantes para o estabelecimento da doença. A toxoplasmose apresenta importância clínica e epidemiológica distinta dependendo do grupo populacional envolvido. Yamamoto et al. estudaram a prevalência da doença em 160 alunos universitários no município de São Paulo mediante testes imunológicos (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay - ELISA, Reação de Imunofluorescência Indireta - RIFI e Hemaglutinação Indireta - HAI). A prevalência para anticorpos anti-T. gondii5 foi de 12,5%, com faixa etária média de 21 anos.
Ressalta-se que, na região do Pontal do Triangulo Mineiro, Minas Gerais, não se tem relatos de estudos desta natureza, embora um estudo realizado por Maia et al. na região detectou alta soroprevalência em indivíduos de idade entre 16-45 anos, que chama atenção pela prevalência da doença na faixa etária jovem da população6 .
A presença de anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii em jovens é pouco estudada, principalmente em grupos universitários. Além disso, a interação destes jovens com animais, principalmente errantes dispersos nas áreas de convivência das instituições de ensino, é comum, sendo muitas vezes estes animais adotados e levados para suas casas. O hábito de vida dos estudantes pode envolver uma alimentação inadequada, com pouco cuidado ou higiene (por falta de conhecimento), favorecendo a contaminação por T. gondii presente em alimentos que não foram devidamente lavados e cozidos. Com base nestes fatores sociais e comportamentais, foi objetivo deste estudo avaliar a soroprevalência de anticorpos anti-T. gondii em universitários e verificar a possível associação com seus hábitos comportamentais e alimentares. Além disso, avaliar o conhecimento sobre a Toxoplasmose por meio de um questionário semiestruturado com perguntas sobre a doença e as formas de obtenção da mesma.
MÉTODOS
População do estudo
Foi realizado um estudo transversal para avaliar a prevalência de anticorpos contra T. gondii em alunos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - campus Pontal. No momento da pesquisa 245 alunos estavam matriculados no curso. Para cálculo do tamanho mínimo da amostra foi considerada uma proporção estimada de 12% de casos positivos para T. gondii5 numa população finita, assumindo um erro amostral de 5% e 95% de confiança, sendo obtido um valor de 150 participantes, correspondendo a 61,2% do total de alunos matriculados. Participaram alunos de todos os períodos do curso (Bacharelado e Licenciatura) e, embora se considere os de primeiro período mais próximos da população em geral, não foram excluídos ou RIFI considerados grupo à parte.
A coleta de dados foi iniciada em junho de 2017 e finalizada em fevereiro de 2018. Os alunos foram convidados a participar do estudo durante os intervalos de aula. Nesse momento a equipe executora explicou o objetivo do estudo e como seria a dinâmica de coleta das amostras. Os estudantes universitários foram informados do local da coleta e orientados a irem até o local durante os intervalos de aula. Os alunos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e foram conduzidos para a coleta de sangue. Foram colhidos 10 mL de sangue por punção venosa periférica antecubital em tubos a vácuo sem anticoagulante e centrifugados a 300x g por 10 min. O soro foi colhido e conduzido para análise no Laboratório de Ciências Biomédicas, ICENP- UFU.
Em relação aos critérios de inclusão, foi considerado o aluno que estivesse matriculado no curso de Ciências Biológicas da UFU, ter idade igual ou superior a 18 anos, e que tivesse assinado o TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido). Foi excluído o aluno que fosse portador de alguma doença infecciosa ou sanguínea auto-relatada.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFU sob parecer nº 2.096.147/2017, e registrado com o número CAAE: 66724017.0.0000.5152
Análise sorológica das amostras
ELISA
Os testes sorológicos para detecção dos anticorpos específicos contra T. gondii (IgM e IgG) foram realizados por meio da técnica de ELISA utilizando-se kits Toxo IgM e Toxo IgG (Diagnostic Bioprobes Srl, Milão, Itália), conforme especificações do fabricante.
Para a análise da presença de anticorpos anti-IgG, considerou-se a intensidade da cor, cuja absorbância foi lida em 450 nm diretamente proporcional à quantidade de anticorpo IgG anti-T. gondii presentes na amostra. A curva padrão obtida possibilitou determinar quantitativamente a concentração dos anticorpos. Valores acima de 50 UI/mL foram considerados resultados positivos e abaixo de 50 UI/mL foram negativos.
Os níveis de anticorpos anti-IgM obtidos por meio do kit específico e a intensidade da cor, cuja absorbância foi lida em 450 nm diretamente proporcional a quantidade de anticorpo IgM anti-T. gondii presentes na amostra. Os resultados do teste foram calculados por meio do valor médio da OD450nm do controle negativo a fim de definir a seguinte fórmula do cut off:
Cut off = controle negativo + 0,250
Assim, os resultados foram interpretados por meio da razão da amostra a OD450nm e o valor de cut off, considerando que, quando a razão for < 1,0 é um resultado negativo, 1,0 – 1,2 é considerado indeterminado e > 1,2 é um resultado positivo.
RIFI
A detecção de anticorpos anti-T. gondii também ocorreu por meio teste de imunofluorescência indireta (IFI) para análise qualitativa e quantitativa, utilizando o kit específico Imuno-Com TOXO (Wama Diagnostica, São Paulo, SP) seguindo as instruções do fabricante. Inicialmente foi realizada a triagem dos soros (qualitativo) para determinar os positivos para anticorpo anti-T. gondii. As amostras de soro foram diluídas previamente 1/32 em solução salina tamponada com fosfato pH 7,2 depositadas em lâmina e incubadas a 37°C por 30 min. Após lavagem, as lâminas foram incubadas com o conjugado anti-IgG marcados com isotiocianato de fluoresceína por igual tempo, em estufa a 37°C. Nas lâminas foi adicionada uma gota de glicerina alcalina e uma lamínula. O resultado foi avaliado em microscópio de imunofluorescência (Zeiss) com aumento de 400× e 1000×. O resultado positivo para anticorpos específicos foi determinado pela presença de parasitos fluorescentes.
Após a detecção das amostras positivas, foi realizado um novo teste (quantitativo) para determinar o título de detecção do anticorpo, utilizando-se o mesmo kit. Para cada soro foram preparadas cinco diluições para IgG: 1/64, 1/256, 1/1024, 1/4096 e 1/8192 juntamente com controles positivo e negativo. Em seguida, aplicou-se a técnica descrita pelo fabricante. As amostras foram consideradas positivas quando houvesse a fluorescência intensa e presente por toda a periferia do parasito. O título do soro foi determinado pela última diluição, no qual 50% dos parasitos ainda possuíam fluorescência. O cut-off de detecção foi 1/64.
Conhecimento prévio dos universitários sobre toxoplasmose
Após a coleta de sangue, os alunos responderam a um questionário sobre seus hábitos alimentares (consumo de alimentos de origem láctea bovina não pasteurizados, ou carne crua/malpassada, vegetais crus ou não higienizados). Foi questionado ainda o seu contato frequente com felinos e/ou cães (se possuíam animais de estimação ou se estariam em contato com os animais que frequentam a universidade/errantes). Em continuidade, perguntou-se sobre o conhecimento dos alunos em relação à toxoplasmose, a sua importância durante a gestação e fatores associados a transmissão.
Análise estatística
Para verificar a associação dos dados obtidos pelo questionário e a soropositividade dos discentes quanto a presença de anticorpos anti-T. gondii foi utilizado o Χ 2 de Pearson (intervalo de confiança de 95%; alfa = 5%). O software utilizado foi GraphPad Prism versão 7.04 (GraphPad Software Inc.; San Diego, EUA).
RESULTADOS
Participaram do estudo 128 estudantes, sendo 83 (64,8 %) do sexo feminino e 45 (35,6 %) do sexo masculino. A faixa etária dos participantes variou de 18 a 41 anos (média 22 ± 3,5 anos).
Dos 128 participantes, 106 (82,2%) concordaram em realizar a coleta de sangue, sendo possível a avaliação da presença de anticorpos anti-T. gondii. A análise sorológica revelou um total de 13 (12,3%) indivíduos positivos, sendo detectado IgM anti-T. gondii em 2,3% (3/106) dos participantes, todos do sexo biológico masculino. A presença de IgG anti-T. gondii foi detectada em 84,6% (11/13), dos quais 53,8% (7/11) do sexo masculino e 30,8% (4/11) do sexo feminino. O teste de avidez mostrou que dois (18,18%) destes alunos apresentaram avidez > 60% e nove (81,8%) apresentaram avidez < 30%. É importante mencionar que um participante apresentou altos níveis de anticorpo IgM (índice > 1,2) juntamente com alta titulação para IgG (1/8192) e avidez > 60% (Table 1).
Teste |
Feminino |
Masculino |
Total |
---|---|---|---|
RIFI (n = 106) |
|
|
|
Positivos |
9 (8,5) |
9 (8,5) |
18 (17,0) |
ELISA (n = 106) |
|
|
|
IgM + |
0 |
3 (2,8) |
3 (2,8) |
IgG + Total |
4 (30,8) |
7 (53,8) |
11 (84,6)* |
Total de Positivos |
4 (3,8) |
9 (8,5) ‡ |
13 (12,3) |
Avidez de IgG |
|
|
|
Alta |
|
|
2 (18,2)‡ |
Intermediária |
|
|
2 (18,2)‡ |
Baixa |
|
|
7 (63,6)‡ |
A avaliação do conhecimento sobre toxoplasmose, mediante o questionário semiestruturado mostrou que, a respeito do agente causador da doença, a maioria dos discentes (85/66,4%) acreditava que um protozoário fosse o microorganismo causador da toxoplasmose e apenas um discente (0,8%) respondeu ser o fungo o agente etiológico da doença (Table 2).
Ao relacionar a gestação e a toxoplasmose, 61 (48%) participantes declaram que mulheres grávidas poderiam ter gatos, 31 (22,8 %) afirmaram que não, e 36 (28,3%) não souberam opinar a respeito do assunto. A maioria dos alunos (95/73,2%) respondeu que a toxoplasmose poderia trazer risco ao feto no caso de a mãe ser contaminada durante a gestação, enquanto duas pessoas (1,5%) afirmaram não haver risco e 31 (24,5%) não possuíam opinião formada ou não sabiam dizer (Table 2).
Foi questionado aos participantes as formas de se evitar a contaminação dos felinos por T. gondii. Seis (4,7%) alunos soropositivos para anticorpos anti-T. gondii disseram não saber nada a respeito, enquanto 2 (1,6%) acreditavam que todo gato já nascia infectado pelo parasito (Table 3).
Quanto ao hábito alimentar dos 128 estudantes investigados, 26 (24,5%) afirmaram ingerir vegetais crus sem a devida higienização, 17 (16%) possuíam o hábito de comer carne crua ou malpassada e 15 (14,2%) faziam uso de leite bovino não pasteurizado. Do total de participantes, 23 (21,7%) afirmaram não ingerir quaisquer alimentos que são considerados fatores de risco para infecção por T. gondii (Tabela 4). Ainda em relação aos fatores que poderiam possibilitar a contaminação pelo parasito, foi questionado se os discentes teriam contato com felinos e cães. A maioria (64/60,3%) teria contato direto com gatos enquanto 7 (6,6%) afirmaram ter contato com cães e 25 (23,5%) estaria em contato com ambos os animais (Table 4).
Foram questionadas as vias de transmissão da doença. A maioria (80/60%) afirmou que o homem pode contrair o parasito através do contato com fezes de gatos e 52 (43,3%) consideraram que o contato direto com o gato já era suficiente para se infectar com o parasito. Considerando outras formas de transmissão, 45 (33%) participantes afirmaram que uma das formas de contaminação poderia ser a transmissão vertical, na qual a mãe transmite para o feto durante a gestação e 15 (11,8%) alunos não tinham uma opinião formada sobre as vias de contaminação pelo T. gondii.
Foi analisada a possível relação entre a sorologia para anticorpo anti-T. gondii apresentada pelos discentes e as respostas dos questionários (Table 4).
Independente da classe de anticorpo detectados, 3 participantes soropositivos (2,8%) afirmaram consumir carne crua ou malpassada, 1 (0,9%) consumir vegetais crus ou não higienizados e 2 (1,9%) ingerirem leite não pasteurizado, carne crua ou malpassada e vegetais crus ou sem higienizar. Entretanto, 4 (3,8%) referiram consumir estes tipos de alimentos. No entanto, somente 2 indivíduos (IgG positivos) apresentaram alta avidez (> 60%) e afirmaram ter hábito de ingerir carne crua/malpassada. Os dois participantes IgG positivos com avidez intermediaria referiram consumir alimentos de origem láctea bovina não pasteurizada (Tabela 4). Três alunos (2,8%) soropositivos somente para anticorpos IgM anti-T. gondii declararam ter costume de consumir leite bovino não pasteurizado.
Dentre os participantes soropositivos foi possível verificar que 6 (5,7%) conviviam exclusivamente com felinos, 4 (3,8%) com caninos e felinos, e 3 (2,8%) não tinham convivência com este tipo de animais (Table 4). Não foi observada associação entre hábito alimentar e soropositividade, nem convivência com animais e soropositividade, possivelmente em virtude da baixa prevalência apresentada.
Não foi observada associação estatisticamente significativa entre positividade (IgM anti-T. gondii e/ou IgG anti-T. gondii) e as variáveis analisadas no questionário. Este resultado pode ser justificado pela baixa positividade (13/12,3%) observada no estudo. Embora não tenha sido apresentado, os alunos de períodos iniciais e finais do curso não apresentaram diferença significativa entre suas respostas, tampouco em seus exames sorológicos.
Quanto aos animais que podem participar do ciclo de transmissão do T. gondii, 47 estudantes (36,7%) disseram que o gato era considerado o elemento mais importante do ciclo de transmissão e 32 (25%) acreditavam que o cão também participava do ciclo de transmissão. Além do cão e gato, 12 (9,4%) afirmaram que o bovino e suíno também estariam envolvido no ciclo de transmissão (Table 5).
Variáveis |
Total |
Positivos |
Negativos |
Valor p |
OR |
IC95% |
---|---|---|---|---|---|---|
Sexo biológico |
|
|
|
|
|
|
Feminino |
83 (64,8) |
4 (3,1) |
79 (61,7) |
0,01 |
Ref. |
|
Masculino |
45 (35,2) |
9 (7,0) |
36 (28,1) |
4,93 |
1,42-17,09 |
|
Idade em anos (média ± DP) |
22 ± 3,53 |
|
|
|
|
|
Conhecimento sobre a toxoplasmose |
|
|
|
|
|
|
Não tem conhecimento |
10 (7,8) |
1 (0,8) |
9 (7,0) |
0,51 |
Ref. |
|
Já ouviu falar |
97 (75,8) |
11 (8,6) |
86 (67,2) |
|
1,15 |
0,13 – 9,97 |
Já fez exame para verificar se é positivo |
4 (3,1) |
1 (0,8) |
3 (2,3) |
|
3 |
0,14 - 64,26 |
Conhece pessoas que possuem a doença |
5 (3,9) |
0 (0) |
5 (3,9) |
|
|
|
Já ouviu falar e já fez exame para verificar se é positivo |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Já ouviu falar e conhece pessoas que possuem a doença |
10 (7,8) |
0 (0) |
10 (7,8) |
|
|
|
Já fez exame para verificar se é positivo e conhece pessoas que possuem a doença |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Opinião sobre gestação e tutoria de gatos |
|
|
|
|
|
|
Não sabem dizer a respeito |
36 (28,3) |
4 (3,1) |
32 (25,0) |
0,46 |
Ref. |
|
Gestantes podem ter gatos |
61 (47,7) |
4 (3,1) |
57 (44,5) |
|
0,56 |
0,13 - 2,39 |
Gestantes não podem ter gatos |
31 (24,2) |
5 (3,9) |
26 (20,3) |
|
1,53 |
0,37 - 6,32 |
Riscos de toxoplasmose durante a gestação |
|
|
|
|
|
|
Acreditam não haver riscos |
2 (1,6) |
1 (0,8) |
1 (0,8) |
0,11 |
Ref. |
|
Conhecem os riscos |
95 (74,2) |
11 (8,6) |
84 (65,6) |
|
0,13 |
0,008 - 2,24 |
Não têm opinião formada |
31 (24,2) |
1 (0,8) |
30 (23,4) |
|
0,03 |
0,001 - 1,01 |
Conhecimento sobre o Toxoplasma gondii |
|
|
|
|
|
|
Bactéria |
12 (9,4) |
3 (2,3) |
9 (7,0) |
0,07 |
Ref. |
|
Protozoário |
85 (66,4) |
6 (4,7) |
79 (61,7) |
|
0,22 |
0,04 - 1,07 |
Helminto |
23 (17,9) |
4 (3,1) |
19 (14,8) |
|
0,63 |
0,11 - 3,43 |
Fungo |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Sem informações |
7 (5,5) |
0 (0) |
7 (5,5) |
|
|
|
Como evitar que um gato adquira toxoplasmose |
Total |
Positivos |
Negativos |
---|---|---|---|
Evitar oferecer carne crua |
10 (7,8) |
1 (0,8) |
9 (7,0) |
Não sabem dizer a respeito |
52 (40,6) |
6 (4,7) |
46 (35,9) |
Evitar que ele saia à rua |
28 (21,9) |
2 (1,6) |
26 (20,3) |
Não há como prevenir, todo gato já é infectado |
10 (7,8) |
2 (1,6) |
8 (6,3) |
Evitar oferecer carne crua e que ele saia à rua |
8 (6,3) |
2 (1,6) |
6 (4,7) |
Evitar a caça |
6 (4,7) |
0 (0) |
6 (4,7) |
Evitar oferecer carne crua e evitar a caça |
4 (3,1) |
0 (0) |
4 (3,1) |
Evitar a caça e que ele saia à rua |
6 (4,7) |
0 (0) |
6 (4,7) |
Evitar oferecer carne crua, evitar a caça e que ele saia à rua |
3 (2,3) |
0 (0) |
3 (2,3) |
Outro |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
Variáveis |
Total |
Positivo |
Negativo |
Valor p |
OR |
IC 95% |
---|---|---|---|---|---|---|
Habitos Alimentares |
|
|
|
|
|
|
Não faz uso desses produtos |
23 (21,7) |
4 (3,8) |
19 (17,9) |
0,57 |
Ref. |
|
Carne crua ou mal passada |
17 (16,0) |
3 (2,8) |
14 (13,2) |
|
1,01 |
0,19 - 5,29 |
Vegetais crus ou não higienizados |
26 (24,5) |
1 (0,9) |
25 (23,6) |
|
1,18 |
0,22 - 6,26 |
Leite bovino não pasteurizado |
15 (14,2) |
3 (2,8) |
12 (11,3) |
|
0,19 |
0,02 - 1,84 |
Leite bovino não pasteurizado e Carne crua ou mal passada |
4 (3,8) |
0 (0) |
4 (3,8) |
|
- |
- |
Leite bovino não pasteurizado e vegetais crus ou não higienizados |
4 (3,8) |
0 (0) |
4 (3,8) |
|
- |
- |
Carne crua ou mal passada e vegetais crus ou não higienizados |
11 (10,4) |
0 (0) |
11 (10,4) |
|
2,37 |
0,31 - 17,74 |
Leite não pasteurizado/carne e vegetais crus e não higienizados |
6 (5,7) |
2 (1,9) |
4 (3,8) |
|
- |
- |
Contato com espécie |
|
|
|
|
|
|
Sem contato |
10 (9,4) |
3 (2,8) |
7 (6,6) |
0,09 |
Ref. |
|
Canina |
7 (6,6) |
0 (0) |
7 (6,6) |
|
- |
- |
Felina |
64 (60,4) |
6 (5,7) |
58 (54,7) |
|
0,24 |
0,04 - 1,18 |
Canina/Felina |
25 (23,6) |
4 (3,8) |
21 (19,8) |
|
0,44 |
0,07 - 2,49 |
Participação no ciclo de transmissão |
Total |
Positivos |
Negativos |
Valor p |
OR |
IC 95% |
---|---|---|---|---|---|---|
Gato |
47 (36,7) |
4 (3,1) |
43 (33,6) |
0,47 |
|
Ref. |
Cão e gato |
32 (25,0) |
5 (3,9) |
27 (21,1) |
|
1,99 |
0,49 - 8,07 |
Cão, gato e bovino |
7 (5,5) |
1 (0,8) |
6 (4,7) |
|
1,79 |
0,17 - 18,82 |
Cão, gato, bovino e suíno |
5 (3,9) |
1 (0,8) |
4 (3,1) |
|
2,68 |
0,23 - 30,19 |
Cão |
5 (3,9) |
0 (0) |
5 (3,9) |
|
|
|
Pombo e gato |
2 (1,6) |
0 (0) |
2 (1,6) |
|
|
|
Cão, gato e rato |
3 (2,3) |
0 (0) |
3 (2,3) |
|
|
|
Cão, pombo, gato, bovino, suíno e rato |
2 (1,6) |
0 (0) |
2 (1,6) |
|
|
|
Suínos |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Pombo e bovinos |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Gato e bovinos |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, pombo e gato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, pombo, gato e rato |
1 (0,8) |
1 (0,8) |
0 (0) |
|
|
|
Cão, pombo, gato e bovino |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, pombo, gato, bovino e suíno |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, ovino e gato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, ovino, gato, bovino e suíno |
1 (0,8) |
1 (0,8) |
0 (0) |
|
|
|
Cão, Hamster, gato e rato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Cão, morcego e gato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Ovino, gato, bovino e suíno |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Ovino, gato, bovino, suíno e rato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Hamster, morcego e bovino |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Morcego, gato e bovino |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Morcego e rato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Gato e rato |
1 (0,8) |
0 (0) |
1 (0,8) |
|
|
|
Não têm opinião formada |
8 (6,3) |
0 (0) |
8 (6,3) |
|
|
|
DISCUSSÃO
Na população estudada, 13 (12,3%) indivíduos apresentaram positividade para anticorpos contra T. gondii e essa prevalência foi relativamente semelhante ao estudo feito por Yamamoto et al. (2009) em 160 universitários dos quais 20 (12,5%) foram positivos para IgG anti-T. gondii5 . Outros estudos reportam positividade em estudantes universitários que varia de 21,5 a 24,5%7, 8, 9.
Fatores socioeconômicos, de hábitos alimentares e de convivência com animais podem afetar a prevalência da positividade para toxoplasmose na população10, 11. Dentre os participantes soropositivos, 4 (30,7%) afirmaram ter contato frequente com cães e gatos. Segundo Guimarães et al.7, o cão compõe um grupo muito importante na cadeia epidemiológica da toxoplasmose, por participar como transmissor mecânico, ao carrear oocistos em sua pelagem por rolar em locais com fezes de gatos. Considerando que o contato com felinos é um fator de risco importante na infecção por este protozoário, observou-se que 6 (5,7%) dos indivíduos soropositivos afirmaram ter contato exclusivo com gatos. Garcia et al.12 também verificaram a prevalência de pessoas com anticorpos e a relacionou ao contato com felinos, justificando que estes animais seriam os únicos capazes de contaminar ambientes com a liberação de oocistos através das fezes. Este estudo apresenta relevância, tendo em vista que o campus Pontal da UFU possui vários gatos e cães errantes circulando e que os alunos de Ciências Biológicas com frequência têm contato com eles para alimentá-los ou levá-los para casa (principalmente filhotes). Julgou-se interessante também ter conhecimento sobre a opinião dos alunos envolvidos, pois, a maioria dos discentes soropositivos consideram o gato um hospedeiro relevante na transmissão da toxoplasmose. Diante destes resultados, destaca-se a importância da conscientização sobre a doença, não só deste grupo de alunos, mas de todos que frequentam o campus.
Sobre o conhecimento prévio da doença, a maioria (97/75,8%) dos participantes afirmou saber sobre o agente etiológico, o que é justificado pelo fato de os mesmos já terem participado de aulas relacionadas à doença durante a graduação.
Dentre o total de participantes, 35,6 % pertenciam ao sexo masculino, sendo sete (53,8%) soropositivos para anti-T. gondii. A taxa de soropositividade em homens ressalta a importância de avaliar a presença de anticorpos neste grupo e não somete em mulheres e gestantes, como é sugerido. A realização do exame em homens nessa faixa etária é praticamente nula, podendo haver a possibilidade de o indivíduo ser acometido pela doença ou portar cistos do protozoário. Considerando que a infestação é assintomática, podem desencadear outras doenças e, nos casos de HIV+ e AIDS, essas manifestações clínicas podem evoluir rapidamente para o óbito3 . Maia et al.6 realizaram estudos na população da região do Pontal no Triângulo Mineiro, MG, e ressaltaram a importância da realização de exames sorológicos neste grupo, uma vez que os resultados obtidos destacaram que a maior parte dos homens acima de 16 anos que realizaram exames para diagnóstico de toxoplasmose apresentaram positividade para anticorpos anti-T. gondii (60,4%). Sugere-se que exames periódicos de sorologia para anticorpos anti-T. gondii sejam realizados em homens, para a detecção e tratamento da doença ainda no início.
Em nosso estudo 4 (30,8%) estudantes soropositivos eram mulheres em idade entre 20 a 41 anos. Os dados referentes à soropositividade de toxoplasmose em mulheres na idade fértil ressaltam a importância de campanhas e promoção em saúde para orientar as mulheres quanto às formas clínicas da doença e às possíveis consequências no curso de uma gestação13 Em um estudo desenvolvido por Leão et al.14 com gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas 21,9% das pacientes referiu conhecer toxoplasmose, sendo que as demais (78,1%) afirmaram jamais ter ouvido falar desta doença. Este trabalho comprova a relevância do desenvolvimento de ações educativas e informativas sobre a toxoplasmose, não somente para gestantes, mas também para a comunidade, permitindo a todos o direito de incorporar ao seu cotidiano medidas preventivas e novos hábitos.
Sabe-se que em área endêmicas, que possuem grande diversidade genética de cepas de T. gondii, exposições múltiplas a diferentes isolados podem ocorrer com frequência. Muitas vezes as cepas responsáveis pelas reinfecções em pacientes que possuem IgG de alta avidez são atípicas, ou pouco circulantes na região, e desta forma não geram imunidade protetora contra outras cepas de T. gondii15. Assim, a reinfecção pode acontecer apresentando importância clínica em pacientes IgG+ (como gestantes e indivíduos imunossuprimidos/imunodeprimidos, principalmente). Outros fatores podem estar envolvidos na reinfecção, como a quantidade parasitos e a virulência da cepa, bem como estado imunológico do paciente. Em nosso estudo verificamos um participante com IgG de alta avidez (> 60%) e IgM+, podendo sugerir que este seja um indivíduo que entrou em contato com uma cepa diferente do parasito, seja atípica ou de virulência diferenciada, que levou ao quadro de reinfecção.
Apesar dos objetivos terem sido alcançados, é importante considerar as particularidades do estudo. Ressalta-se a resistência de alguns discentes em responder o instrumento de coleta de dados, o que foi justificado principalmente pela falta de interesse. Alguns alunos não quiseram realizar a coleta de sangue, por assumirem medo ou desconforto, o que também levou a um número amostral abaixo do esperado. Entretanto, os resultados obtidos mostram que a prevalência de anticorpos anti-T. gondii neste grupo é relevante e que pode ser explicada pelos hábitos alimentares e comportamentais, que contribuem com contato com formas infectantes do parasito.
CONCLUSÃO
Neste trabalho foi possível verificar a presença de anticorpos IgM e IgG anti-T. gondii em universitários, o que pode ser justificado pelos hábitos alimentares e comportamentais assumidos pelos discentes em suas respostas do questionário, como por exemplo consumo de carne malpassada e vegetais crus sem a higienização adequada. Entretanto, não foi detectada uma associação entre soropositividade e o hábito alimentar, o que não diminui a importância epidemiológica da infecção neste grupo, que assume ter contato frequente com gatos errantes.